segunda-feira, 25 de julho de 2011

Estranha Perfeição

Tudo era milimetricamente calculado. Nada podia escapar da perfeição. Ela procurava dia e noite algo para melhorar. A casa sempre estava arrumada. Seu armário era chumbado na parede. Ao abrir o que se via eram as camisetas dobradas sem nenhum amassado, duas prateleiras onde ficavam as calças, todas jeans, e uma arara com os vestidos separados por cor. Os sobretudos, todos pretos, ficavam bem embaixo, perto dos sapatos. Eram muitos calçados. A maioria eram sapatos de salto, mas também tinha uma dúzia de tênis.

Morava em um sobrado impecável. Pintado anualmente por ela. Não havia uma luz queimada e também não havia nada fora do lugar. A sala era dividida entre jantar e estar. Ela nunca sentava no sofá para não bagunçar. Também não comia em casa, pois preferia comer fora e não ter que lavar a louça. Atrás do sofá seguia um corredor com paredes cor creme. Era bem largo e arejado. Não gostava de nada escuro e deixava as persianas sempre abertas. O corredor levava até um escritório e um banheiro ao final. Assim como na casa toda, era totalmente arrumado. Cheio de toalhas reservas brancas e felpudas embaixo da pia. O Box não tinha uma gota sequer, afinal ela nunca usava aquele banheiro. Ele era para as visitas que ela nunca chamava. Não gostava de contato social com pessoas que não fossem metódicas.

Ao subir as escadas que ficavam do lado esquerdo da mesa branca de jantar, encontrava um hall com um vaso grande de porcelana. Dentro dele tinha apenas um copo de leite. Ela gostava de flores, mas elas fediam e morriam. Aquela não precisava de tantos cuidados e, por isso, estava lá. Ao lado do vaso tinham duas portas. Uma branca e outra de madeira fosca. A branca levava ao quarto da moça. O quarto não tinha muita mobília. Tinha uma cama de viúva, o armário chumbado, um baú nos pés e um tapete que ficava em frente ao espelho no canto. A outra porta estava trancada, mas debaixo dela saía um feixe de luz que parecia vermelho.

Era hora do almoço e ela tinha que fazer seus rituais antes de sair de casa. Ela fechava todas as portas primeiro, depois ia conferir se ela realmente tinha fechado todas e por último abria todas de novo, sempre na mesma ordem. A única porta que se mantinha imóvel era a de madeira fosca. Saiu, olhou para a rua, olhou para a caixa do correio, olhou para o sol e aí sim se virou para bater três vezes na porta com cada mão e fechá-la. Já estava atrasada, mas não podia deixar de lado algo tão importante.

Foi ao restaurante do centro da cidade. Não pegou o carro, pois tinha esquecido as chaves dentro de casa, e não dava tempo de fazer o ritual de abrir a casa. Foi a pé, mesmo estando de salto alto. Chegou ao restaurante ofegante, mas logo segurou a respiração e entrou. Sentou-se na mesa de sempre, pediu o prato de sempre, fez o ritual dos palitinhos e comeu. Tinha que comer em exatos 17 minutos e 11 segundos. Sempre conseguia. Se terminasse antes, deixava um grão de arroz para comer no último segundo. Se estivesse atrasada, não mastigava. Era esbelta, pois não comia doces. Então pediu a conta e pagou apenas com moedas brilhantes.

Voltou para casa. Fez todo o ritual para entrar em casa e correu para a porta de madeira fosca. Girou a maçaneta com a ajuda de um paninho úmido e entrou. Era o único cômodo escuro. A única coisa que se podia ver era uma luminária com luz vermelha ao fundo e uma poltrona de couro ao lado. Ela se sentou e começou outro ritual. 

3 comentários:

  1. Ótimo texto, com uma bela reflexão,é preciso não ter medo de errar, é preciso arriscar, caso contrário ficaremos sentados vendo a vida passar e assim tendo a certeza de que nada saiu errado, afinal nada foi feito; é preciso simplesmente VIVER

    ResponderExcluir
  2. QUE FODA *-*
    Incrível essa conclusão, haha! Adorei!

    ResponderExcluir
  3. Perfeito!
    Só quem realmente já passou por tal angústia sabe o quão fiel está este texto :)
    Mandou mto bem!

    ResponderExcluir

Diga, eu anoto! ;D