domingo, 29 de janeiro de 2012

...estilhaço

O lábio ressecado indicava a falta do beijo. Os olhos lacrimejados resumiam a história. O cabelo solto contava os detalhes ao balançar do vento. A respiração ofegante balbuciava o passado. Ele havia morrido. Não ressuscitaria. Nem no vigésimo dia. Música perfeita, 'Lonely Day - System Of A Down'. Passos curtos no asfalto cinzento e úmido. As possas d'água refletiam o rosto da jovem crepuscular vespertino. Ao pôr-do-sol ela sai em busca de um cobertor que a conforte. Algo que a agarre e a contenha. Talvez a fumaça de uma explosão interna. O neon verde musgo mesclava-se com a jaqueta de couro preta. O muro à direita a segurou em seu primeiro tropeço. As unhas rasgaram o concreto e se estilhaçaram ao chegar ao chão. Levantou e viu que a calça rasgara com a queda, bem no joelho, e denunciara a pele branca venosa. Tirou o calçado e pisou na calçada nua, assim como sua fragilidade. Quando se corre, parece não ser possível se desequilibrar, pensou. Passos se tornaram pulos de ballet. Grandes saltos que fazia os prédios correrem por entre o canto dos olhos dela. O que ela esqueceu de calcular é que quando se corre, a queda é muito pior. Não adianta fugir. Assim como essa história, o seu coração se quebrou ao final. Um final sem fim. Um pulo mais alto. A avenida 23 de maio logo abaixo e o que sobrou foi...

sábado, 28 de janeiro de 2012

3 Símbolos

Música para entrar na vibe > http://bit.ly/dSha1Y
O estralar do assoalho anunciava a insônia presente em seu corpo. Dava passos assustado e não sabia exatamente para onde estaria indo. Sua mente flutuava e seguia o guinchar de um corvo negro que lhe chamava. A cortina balançava com o vento que implorava para acomodar-se por entre os pelos ouriçados do jovem noturno. O cinzeiro postava um cigarro ainda aceso. A leve fumaça que surgia daquele pequeno bastão se misturava com a frieza do quarto mofado. O papel de parede descascado formava a cena. Com as linhas pretas e cinzas que se entrelaçavam atrás do criado-mudo, era possível perceber a presença de três símbolos. O primeiro era uma cruz ovalada em sua extremidade superior. Um símbolo antigo e religioso. Para os egípcios representava a ressurreição, a vida eterna, pós-morte. Ele também acompanhava os ocultistas e alguns grupos esotéricos. Os hippies da década de 60 e os góticos da de 80 idolatravam a cruz curvilínea e ostensiva. Ao lado direito dela, se empunha um diagrama geométrico que simbolizava para os tibetanos e para os indianos uma sabedoria infinita. Ele faz parte de um conjunto de 8 símbolos considerados auspiciosos para o hinduísmo. O terceiro e último símbolo, à direita do nó sem fim, estava um camaleão com o rabo entrelaçado. Na simbologia africana, o camaleão é um animal sagrado, e nunca deve ser morto. O nome "Camaleão" significa "leão da terra" e, por trocar de cor, representa o arco-íris, que é o caminho entre o céu e a terra. Matar um desse traz mal agouro e a bipolaridade é representada pela sua imagem. O jovem já não ouvia mais o corvo. Sabia que agora era uma águia que lhe clamava. Uma águia enorme e poderosa. Como uma vontade de guardar para si tudo que lhe era por direito. Como uma vontade de marcar na sua 'parede' aquilo que estava em sua cabeça. Em seus sonhos. Mais um estralar e ele acorda.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O páss(ar)o

         O pássaro avistara a majestosa montanha ao longe. Parecia confortável e aconchegante. Um pouco úmida e fervorosamente quente. Parecia-lhe familiar. Era como se já a tivesse visto antes. Por muitas vezes. Talvez porque ela sempre estivera por perto. Mas agora a montanha lhe surgia com outros olhos e olhares.
         Plainava cada vez mais perto daquele relevo e sentia-se sucumbido a cravar suas garras e pousar ao topo. Decidiu dar mais uma volta para analisar as rochas e decidir se realmente era seguro se render a voz fina e doce que ecoava das fendas. 360 graus de perguntas tortuosas e ainda não havia pousado. Já estava ficando com as asas levemente fracas e o bico sedento por algo líquido para matar a sede.
         Enquanto se perdia em seus desejos e vontades, não percebeu a aproximação de um outro pássaro. Era seu companheiro de migração. Seu apelido era Kcin. Qual era o significado, ninguém sabia. A única coisa de que se tinha notícia era de sua incrível envergadura de asas. Logo no primeiro olhar trocado já puxou assunto:
         - O que faz por aqui meu bom amigo? Parece cansado, porque não pousa naquela montanha ali ao lado?
         - Olá meu bom companheiro. Estou em dúvida se é seguro pousar. Talvez seja a melhor montanha para descansar, mas eu estava indo em direção à outras maiores.
          - Meu caro! Deixe de besteira! Qualquer montanha é uma montanha!
       - Mas e se eu me apaixonar por essa montanha e nunca mais conseguir pousar em outro lugar?
      - O futuro não nos pertence querido forasteiro. Experimente. Se gostar, fique. Se não gostar, saia e procure outra.
          - E se eu não souber responder à essa pergunta?
         Já um pouco irritadiço, Kcin respondeu:
         - Qual pergunta? Olha amigo, deixa para lá. Decida-se por si só e seja feliz. Conselho é bom, mas está me custando tempo. Adeus!
         O pássaro indeciso não teve tempo para responder. Apenas sussurrou para si:
      - Não sei se posso ou se quero pousar, mas é melhor pagar pela corrida.
         E assim foi plainando até encostar as garras nas pedras mornas e marrons daquela montanha imperial. O calor tomou seus pés e subiu-lhe até a cabeça. A dúvida persistia.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Realidade unitária

Ao som da luz matutina, virava a esquina lentamente. Seus olhos eram canhões que atiravam por todo o campo minado de pessoas apressadas. Os cabelos negros, assim como as balas dos canhões, formavam uma melodia harmoniosa na mente dos que observavam. Os sapatos vermelhos apertados marcavam os pés delicados. As pernas brancas se contrastavam com o vestido marrom. Uma cor interessante. Diferente. Os ombros eram largos e com sardas. A boca possuía vida própria e o nariz era uma gota de bala de coco derretida. Frágil e doce. Mas ao mesmo tempo quente e perigosa. A bolsa também era vermelha e trazia ainda mais furor aos músculos involuntários alheios. As mãos bailavam próximas ao corpo. O corpo se dirigia para a rua. Os sapatos iam apertando os pés e talvez os mesmos já não aguentassem mais tanto incômodo. Um leve balanço de seus pensamentos a fez tropeçar e cair sobre o asfalto negro. Um carro ao fundo se aproximou com mais furor que o da bela menina. O medo a fez fechar os olhos e se enrugar toda. A batida agitou as partículas de ar, que se tornaram sonoras e logo se silenciaram. Os cabelos negros já escorriam dos ombros e se misturava com o piche. A cor das bochechas já não lembravam mais as bauxitas penduradas em seu pescoço. E a sua cabeça já pesava com os sonhos de mais uma noite mal dormida. Ah se ela fosse extrovertida e confiante.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

...Entre...

Aqui é escuro e silencioso. Eu gosto disso. Posso me enxergar e escutar meus pensamentos. Talvez não tenha feito a escolha do local apropriado para isso, mas foi o melhor que pude fazer. Sinto-me envolto pela umidade da terra e pelo meu próprio retovo decomposto. Não abro mais os olhos. Não são necessários. Escuto tudo que se passa daqui de dentro. E os transeuntes que se põe a caminhar por cima de mim fazem aguçar ainda mais meus tímpanos tapados. Nunca gostei de roupa social e acho que a gravata me deixa ainda mais sufocado do que já estou. Mesmo sem respirar, a proximidade das paredes me tortura. Pensei que havia acabado. Mas foi só o começo dessa tortura. Meus pulmões e meus ossos descansam em paz. Já eu e meu cérebro continuamos ativos. Nativos. Será que a vida e a morte possuem uma concórdia? Enquanto vivos pensamos que a morte é o final. E quando morremos pensamos que iremos ficar inanimados para sempre. Será que a morte e a vida são a mesma coisa? Terei outra chance de tentar? Acho que não. Quando se perde o jogo, você pode dar restart. Agora, quando se desliga o videogame, não há volta. Apenas as voltas que meus pensamentos póstumos dão. Que bela companhia para mais essa noite. Entre e fique entre o fundo e o raso. Melhor, fique no meio.


sábado, 14 de janeiro de 2012

Cinza

Era um grafiteiro
Era um grafite
A arte por inteiro
A arte que lhe permite
Rabiscar, ser sorrateiro
Expandir o seu limite

Para marcar a pele do muro
Uma tinta da verdade
O seu nome é um urro
Que ecoa na cidade

O suar, é a adrenalina
O soar, é o perigo
Pula, corre por ruína
Seja homem ou menina
Sempre foge no escuro
Deixa rastros pelo muro

Como caça e caçador
Vem 'os coxa' sem rancor
Dá um tiro, tira a dor
Do grafite sonhador
Cai a arte pelo chão
Cai a tinta e a mão

Era um grafiteiro.
Era um grafite.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

1ª 6ª 13.



Olhou para o lado e viu uma criança morta por inanição por entre os pedregulhos. Não havia nada de assustador naquela cena. Era mais um viciado em mais uma sexta-feira caído na calçada do centro de São Paulo. E aquilo não mudaria por ser uma sexta 13. Nem mesmo uma de Janeiro. Nem mesmo uma criança. Nem mesmo para o crack.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Olhares da vida

Não posso dizer que tive uma vida infeliz. Desde que nasci sempre tive pessoas amáveis ao meu redor. Na verdade a minha vida daria uma história, Será? Bom eu vou tentar contar a vocês a minha vida.

Meu nome é Frederico, mas todos me chamam de Rico, nasci e cresci na maravilhosa cidade de Santo André. Lembro-me de quando era pequeno, eu brincava com meus irmãos na rua Carijós, onde nós morávamos.
Eu tinha dois irmãos, o Paulo, mais conhecido como Paulinho Tomada, pois ele não parava um minuto. Sempre querendo brincar de pique-esconde, mãe-da-rua, jogar futebol e pular corda. Ele era mais velho do que eu, um ano e meio de diferença e ele sempre me levava para ir ao Cinema Tamoio, perto de casa. As sessões eram separadas entre meninos e meninas. Eu e Paulinho éramos arteiros para chuchu e sempre tentávamos ir para a sessão das meninas, mas o lanterninha, o Seu Bernardo, sempre nos impedia.
Minha outra irmã se chamava Brenda, era a caçula e também a mais birrenta. Costumava encrencar eu e Paulinho inventando mentiras e fazendo muita, mas muita birra. Uma vez Brenda perdeu a sua boneca, a Florinha, e botou a culpa em nós. Sei que vocês devem estar pensando como eu me lembro do nome da bendita boneca, mas é que Florinha era um membro da família. Pelo menos para minha irmã. Aonde ela ia, a Florinha ia também. Confesso que escondi a boneca algumas vezes, mas foi só de brincadeira e só para atiçá-la.
Domingo era o dia da família, íamos todos ao clube aramaçan, pertinho da minha antiga casa. Gostávamos muito de jogar bola com a turma aos domingos, mas como era dia de missa também, mamãe não nos deixava brincar muito. Mesmo assim nós sempre conseguíamos dar uma escapada e arranjar um jeito de jogar.
Mamãe era a mulher mais elegante que eu já conheci. Era alta, magra, cintura fina, cabelos loiros e encaracolados, parecia uma dama da alta sociedade. Ao contrário de mamãe, papai nunca esteve presente na minha vida. Quando mamãe estava grávida de mim, ele nos largou e nunca mais voltou. Brenda não era filha dele. Ela era filha de um homem muito fino, Dr. Humberto Castro Dias. Ele era médico e quase sempre estava fora de casa trabalhando no hospital mais famoso daquela época, o Hospital Beneficência Portuguesa. Era um pouco longe de casa para quem não tinha carro, como era o caso da minha família.
Antigamente quase todas as ruas eram de paralelepípedos e não havia muitos carros por aí, somente a elite tinha carro. Muitas coisas mudaram de antigamente para hoje como o modo de escrever que antigamente era de um jeito e hoje já é de outro. Os namoros também eram muito diferentes dos de hoje. Se você quisesse encontrar uma namorada, era só ir à rua do cinema Carlos Gomes. Era lá que acontecia o famoso vai-e-vem de antigamente. Os meninos ficavam na calçada conversando e olhando para as moças que ficavam passando na frente deles. Quase todos daquela época arranjavam namorado dessa maneira.
Quando fiz dezoito anos foi aquela alegria. Mamãe preparou alguns salgados, e a tia Eugênia fez o bolo de glacê. Sinto o gosto daquele bolo em minha boca até hoje. Eu adorava festas em casa, amigos, comidas gostosas, presentes, uma bela música que saía da vitrola do Dr. Humberto; era uma tremenda farra. A festa acabou às oito horas da noite, muito tarde para aquela época, mas mesmo com tanta alegria uma tragédia desfez aquele sentimento de felicidade.
Quando acordei no outro dia, mamãe estava brigando com o Dr. Humberto. Não me lembro ao certo porque, mas parecia ser grave. Ao final da discussão Dr. Humberto disse com o peito estufado “Vou-me embora e não voltarei nunca mais”. Mamãe ficou aos prantos chorando de tristeza. Depois daquela dia, mamãe nunca mais foi a mesma, sempre fechada, vestida de preto, dava angústia ver mamãe naquele estado. Brenda também não parava de chorar e como eu era o homem da casa agora, eu tinha que consolar as duas, pois Paulinho fora morar com Gertrudes, sua noiva e futura esposa.
Minha festa de 18 anos foi muito especial, mas o dia mais especial da minha vida foi quando eu conheci Adelaide. Ela era nova no bairro, portanto nenhum rapaz tinha cantado ela ainda, então resolvi tentar. Tomei um belo banho, passei um perfume que o Paulinho tinha esquecido em casa, e fui para o vai-e-vem. Naquele dia a lua parecia especial para os casais. Quando eu cheguei lá já fui procurando a Adelaide para logo convidá-la a ir ao cinema Carlos Gomes, o cinema mais bonito de todos de antigamente. Ao avistar a donzela, cumprimentei-a, e já fui dizendo em disparada “Quer ir ao cinema comigo?”. Quando ela disse sim eu quase cai pra trás de tanta emoção. Aquela noite foi perfeita, vimos o filme, nos conhecemos melhor, trocamos telefone e nos aproximamos bastante. Com o tempo começamos a namorar. Tive que ir pedir ao pai dela a permissão. Fiquei apavorado, mas deu tudo certo.
Aos 25 anos eu e Adelaide nos casamos com uma cerimônia simples na igreja da Matriz. Tivemos dois filhos, Carlos Gomes, em homenagem ao nosso primeiro encontro, e Zulaide, nome da minha avó. Trabalhei durante anos na fábrica de tecelagem do Ipiranguinha. Trabalhei também na Conac, na Covaric e na Firestone. Com o dinheiro que ganhei comprei uma linda casa em frente a um campinho de futebol. Meus filhos cresceram se casaram, trabalharam e tiveram filhos, meus netos. Com a minha vida feita estava muito feliz só esperando ao lado do meu amor a hora de partir, mas a vida foi cruel comigo e a levou primeiro por conta de um câncer no pâncreas. Sem ter mais o que fazer da vida, muito triste e amargurado, se sentindo abandonado, não queria mais saber de nada.
Cinco anos se passaram e eu continuava assim, mas pude perceber que a melhor fase da vida é ser idoso, pois você olha para trás e vê um caminho que foi trilhado. Quando se é velho não se pode pensar no futuro, tem que relembrar do passado e continuar vivendo no presente, afinal quanto mais idade se tem, mais sabedoria se adquire. Eu levantei a cabeça e fui viver a minha vida. Comecei a fazer exercícios, jogar xadrez com os meus amigos, comecei a frequentar o parque ipiranguinha em frente a minha casa, onde era o campo de futebol, e comecei a ser feliz novamente. Hoje estou aqui sentado neste banco do parque relembrando o meu glorioso passado e olhando a minha juventude ser consumida pela vida.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Lusco-fusco

Eos - Deusa Aurora
Esperar até a primeira hora
Antes do relógio virar
Mais uma volta que demora
Adeus lua. Deixe ela chegar

Encontro marcado: agora
Sem nuvens ou estrelas para atrapalhar
A vontade que se aflora
mais uma vez ao luar

Você sempre implora
e diz para eu não chorar
curta comigo só mais uma aurora
e não saia antes da lua voltar

Sol, só saiba que sei que você está tão sozinho sem seu céu.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Seu nome é...


      Loira, olhos azuis e o sol refletia em seu rosto. Com a cabeça reclinada sobre a janela do trem, a menina seguia sua vida. As unhas pintadas digitavam uma mensagem em seu celular. Quem será que receberia o toque daqueles dedos tão delicados? Calma e concentrada, estava alheia as pessoas à sua volta. Um pequeno olhar para frente e logo suas pupilas luminosas se voltaram para a tela do celular. Nem sequer um trident a tirava a atenção. 
            De repente ela fixou o olhar em mim e sorriu pela primeira vez naquela manhã quente e ensolarada. O cabelo caía de leve sobre as suas maças brancas. A blusa não denunciava mais do que um colo. E que colo confortável deveria de ser. Senti ciúmes da bolsa bege que carregava por entre as pernas finas. Queria confortá-la da mesma maneira. Tão frágil como um galho seco, mas tão linda como uma flor matutina, que exala seu cheiro ao orvalho. Perdido em meus pensamentos, nem prestei atenção quando ela levantou-se em direção à porta do trem. Fiquei triste e nebuloso ao pensar que não a veria nunca mais. Espera! Próxima estação é a minha! Finalmente a Luz no fim do túnel. Devo segui-la.