quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

De tablatura à partitura [Último Ato]


[...]
Trocaram um si por um fá. E as borboletas se transformaram em mariposas negras e enormes. Uma arrepiante mancha preta sobre a cabeça do pianista. Preparadas para o ataque. Os anjos trocaram as harpas pelos arcos e apontaram flechas cor ferrugem para os olhos do músico imperfeito. Os pássaros voaram longe, como se tivessem ido chamar alguém. Os unicórnios se transformaram em cavalos negros de olhos vermelhos e chifres pontudos. Do chão escorria terror e já não era mais doce o caramelo que escorria das colinas raivosas. Agora o que transbordava no horizonte era uma lava vermelha e borbulhante que queimava tudo o que via, até o poço de mármore dos unicórnios negros. Os mesmos, correram em direção ao estranho musicista, que perdera o sorriso e o brilho nos olhos e ganhara de volta seu pijama. Os pássaros piavam alto e ensurdeciam o menino. Chamavam a atenção para o rei. Ele estava vindo. Decidiria o que seria feito com os dedos desastrosos e seu dono. A corte se formou e o rei de bigodes negros e pele vermelha apontou o tridente para a barriga do garoto. Os cavalos negros, as mariposas, os pássaros, os anjos e suas harpas, a lava e o rei o atacaram ao mesmo tempo. Tudo escureceu e o menino se sentiu cair em algo gélido, insípido e duro. Era o chão do seu quarto. Caíra na realidade. A perfeição só existia bem longe dele.

De tablatura à partitura [1º Ato]

(leia escutando, se quiser > http://bit.ly/eHcW6v)
Como num estralar de dedos, tudo desligou. As luzes se apagaram e a tela do computador enegreceu. A música que ecoava do rádio silenciou-se. O único som audível eram os trovões ao longe. Foi levantar-se da cadeira e topou com o joelho na quina da mesa. Caiu ao chão e bateu a cabeça no assoalho.

Abriu os olhos e estava em uma nuvem de algodão-doce. O pássaros entoavam acompanhados de querubins que tocavam harpa. De repente, um longo piano de calda apareceu na sua frente. Era todo colorido e polido. O sol fazia o brilho cegar o mundo inteiro de tutti-frutti. Decidiu sentar-se e tocar um pouco. Não sabia como fazê-lo, mas parecia dominado por um espírito fanfarrão e musicista. As notas escorreram pelos dedos ardilosos do menino. Eram movimentos rápidos e perfeitos. Um verdadeiro Bach. Mas com a modernidade de Licht. Os pássaros recostaram na calda polida para acompanhar as improvisações ensaiadas do músico. O menino não estava mais de pijama. Agora, vestia-se com um belo e refinado smoking, com uma camisa fio 50 egípcio de cor amarela e um belo lenço bordo à tira colo. As partituras pareciam dançar com a música e se ajeitavam a pedido do pianista. Ele conduzia não só as folhas. Todo aquele universo encantado havia parado para ouvi-lo, e se atentavam à cada gota de suor que escorria da testa longa e robusta dele. A música era alegre e agitada. Era uma sinfonia doce e colorida. Os unicórnios ao fundo bebiam água no poço de mármore. A perfeição de um lugar tão belo e alegre se dava, agora, pela condução do jovem maestro. Ele estava cansado, mas tudo parecia se equilibrar por conta das notas emitidas pelo piano encantado. Os nós dos dedos já estavam inchados e os olhos do regente já não liam mais as partituras. Tudo de cabeça. Teria que ser assim daqui para a frente. Das colinas sorridentes, escorria um caramelo hipnotizante. O arco-íris cantarolava com as batidas dos dedos ao piano. As borboletas formavam uma mancha colorida no céu. E o mundo ficava cada vez mais lindo, puro. Ia se moldando conforme o mito auricular mandasse. 

A música estava no fim pela quinta vez, quando os dedos inchados do menino erraram uma nota.
[...]

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Caminho da vida (First Sequence)














Do fundo da água
Brilha a estrela-do-mar,
Refletida com a luz solar
Peço-lhe consolo
Ajuda-me a encontrar
Uma razão na vida
Para eu continuar

Canta meu pensamento
E leva-me a sonhar
Como se fosse verdade
Não esse tropeçar

Eis a estrela-do-céu
Que é diva das minhas noites
Cobre minha vida com um véu
Esse que faça minha vida sem pedras

Criaturas que alegram com o cantar
Voam pelo céu livre.
Feito o andar da estrada
Que nunca muda sua empreitada

Com o dom de levar o desintegrar
Das flores que brotam em lugares lindos por fora
Mas podres de lembranças por dentro
Traga-me a solução para meu...
Amor!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Vida e Morte


Treze anos de idade. Seus olhos já viram muita coisa. Saber que tudo aquilo que vivera era, agora, apenas aquilo. O tão pouco de vida, o tão pouco de experiência. Era difícil ouvir aquelas palavras e não demonstrar nenhuma reação. Na verdade, era impossível. Ela sabia que não terminaria o colégio e não assistiria até o fim da novela. Não iria se casar, como sempre sonhara. Não teria quatro filhos, muito menos um casal de gêmeos. Não viajaria o mundo ao lado da felicidade. Não conheceria as próximas décadas. Nem a próxima primavera. Talvez este seja o último fim de ano para ela. Será que vale a pena começar o ano se ela não irá terminá-lo? Suas unhas roídas apontavam o nervosismo que ela sentia. Ainda mais naquele momento. Era tão linda. Antes de tudo. Antes de nada. Prometeu para si mesma que pensaria positivo e que teria esperanças. Jurou que exorcizaria do seu vocabulário a palavra terminal. A única coisa que podia fazer era desabar em choros e desabafos desnecessários. No fim, ela não estaria mais aqui. 

O médico engoliu seco e disse: - Me desculpe, mas você tem no máximo mais 3 meses de vida. - descruzou as pernas e tornou a cruzá-las.  

Não sabia o que responder para o doutor. Apenas revirou os olhos em busca de palavras e as vomitou sem pensar: - Feliz é a morte, que no fim sempre tem uma companhia. Triste é a vida, que no fim sempre é abandonada. - Ela havia se conformado. Pelo menos por hoje.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Pensamentos de um suicída

O trem seguia para o sul. A nuvem negra seguia para o norte. O trilho marcava o encontro dos dois no horizonte. Já era tarde e Rudolph voltava para casa, assim como todos os dias. Morava no interior, mas trabalhava na capital. Vestia uma camisa listrada preta e vermelha que escondia seus braços magros. Os cabelos negros ficavam amassados e tentavam escapar pelas bordas do gorro. Os olhos verdes se ostentavam ao centro das lentes de um óculos de grau. Nos pés trazia um all star rasgado, sujo e preto, assim como o céu estava naquela noite. Sentado ao seu lado estava uma senhora que aparentava pintar os cabelos de loiro. Do outro lado estava Ela. Fixava o olhar para as bochechas vermelhas de Rudolph. Toda de preto, com um batom vermelho e um olhar hipnotizante, Ela era a luz que iluminava o vagão. Aproximou-se dele para conversar, mas bem na hora que disse oi, Rudolph levantou-se e saiu do trem pela porta da esquerda. Ela ficou muito brava e decidiu segui-lo, da mesma forma como o trilho fazia com o horizonte. Viraram a esquina do boteco do Seu Jorge e entraram na Alameda Lorena. A terceira casa com gramado verde e cerca branca, destino final. Entraram pelos fundos, passaram pela cozinha para pegar um lanche e um suco e foram direto para a sala. Toda mobiliada no estilo boate francesa, neon e porcelanas extravagantes. O tapete de veludo foi o aconchego para ambos. Os únicos que podiam acompanhar a cena eram dois ramos de alecrim fixados atrás da porta de madeira. Finalmente poderiam conversar. Ou talvez essa parte não fosse necessária. O tapete se tornou um colchão e os dois rolaram até a mesa de centro. O abajur cor de peixe se espatifou ao chão de madeira envernizada. A saliva escorreu pelo canto da boca e por entre as notas da música que se podia escutar ao fundo. Talvez um violino ou um violoncelo. Quem saberia decifrar. Se despiram rapidamente. Antes mesmo que a música acabasse. Seria um pocket show. O chão era muito grande para eles. Decidiram ir para o sofá de zebra estampada. Na verdade parecia mais uma poltrona do que um sofá. Pequeno demais. Acabaram caindo ao chão novamente, mas dessa vez no piso frio. Caíram no sono logo em seguida. Próxima estação [...] a saliva escorria pela boca, o rosto encostado na janela fria e respingada da chuva e a música clássica que tocava baixinha no mp3. Ele teria que descer e ir para casa sem a companhia Dela. Mais um dia normal e pesado. Nada de Morte por hoje mocinho, respondeu sua consciência.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Meu___________________________________________Seu

Não quero uma cura definitiva. Quero apenas um descanso passageiro. Deixe-me sentar na janela e apenas observar a vida passar. Não irei tomar nenhum caminho conscientemente. Apenas me deixarei guiar pelos buracos e elevações do meu asfalto. E também tenho um coração que bate à um ritmo frenético. Não sinto palpitações quando estou feliz. Apenas deixo de sentir esse músculo de uma maneira comum. Não sou eu que mudo, é ele. Assim como minhas pupilas dilatadas e úmidas fazem questão de aparecer quando não as chamo. Minha raiva também não sabe marcar horário. Sempre arranja um encaixe entre a alegria e a paz de espírito. Tudo que me rodeia, também é meu. Meus amigos, familiares, colegas. Agora a única coisa que não é minha, é aquilo que você me deu e agora irei te devolver. Peço de volta apenas uma coisa que você me roubou, a solidão











(Não precipite de seus olhos, aquilo que nunca precipitei por ti: arrependimento)

sábado, 3 de dezembro de 2011

Sentimentos contrários


Seu abraço me fere
Sua boca me fura
Seu desprezo me ingere
Sua raiva me emoldura

Músicas tristes são alegres para mim
Escuridões são pensamentos no claro
Pontos negativos são azuis no boletim
E o vermelho não é mais um disparo

Azedo, doce, amargo, salgado
Seco, molhado, duro, melado
dedos, mãos, pescoço, negado
arranhões, mordidas, puxões, afago

Boto fogo na água
e de nós sai fumaça
Queima por dentro
Por fora aparento
desgraça

Pese o que vale mais
e não deixei quem te ama atrás
pois uma faca pode ser mais rápida
que a confiança em forma de gás