terça-feira, 29 de novembro de 2011

Anjos



(Antes de ler, uma trilha sonora)

Era meia-noite. Como todas as noites o anjo saiu à procura de mais um. Alguém que estava perdido. Alguém que queria ser encontrado. Avistou lá de cima uma mulher magra e cinza. Sentada embaixo de uma figueira, fazia figas de tanto nervoso. O anjo se aproximou dela para observar os detalhes do seu rosto esquelético. Percebeu um ar de mortalidade no piscar das pálpebras já cansadas. O anjo havia encontrado sua guarda. Tinha que protegê-la. Não podia deixá-la ser influenciada pelos outros. Ela estava naquela floresta e devia permanecer assim até o fim do trabalho. As asas negras se fecharam e os pés descalços tocaram as folhas secas ao chão. O estralar dos galhos denunciou a aproximação da entidade. A mulher sabia quem era e o que deveria fazer. O arcanjo Izrail se aproximou de Madelaine e viu em seu olhar negro qual era o instrumento necessário. O anjo da morte lhe entregou uma arma de fogo. O tiro ecoou pela floresta e o fogo logo queimou os galhos secos e retorcidos daquele inferno. O anjo se recolheu e voou para baixo. Madelaine levantou e subiu. Tudo ficou claro e ela pode enfim sair daquela floresta. Encontrou novamente o anjo, só que agora ele era maior, tinha seis asas. Era um querubim, apontava para o Céu e sussurrava em seus gestos o que ela devia fazer. A mulher havia engordado uns quilos, estava saudável e suas maças não estavam mais cinzas e apodrecidas. Uma gota caiu do céu e lavou todo o barro que havia em suas roupas. Pode ouvir, ao fundo, uma harpa tocando. Era seu despertador. Ela havia saído daquele inferno sozinha. Ela e sua arma. Ela e sua vida. Ela e sua morte. E a morte era a única saída para o impasse que sua vida fora encaminhada. 

Acorde antes que seja tarde. Durma antes que seja cedo. A noite passa muito rápido e o sol sempre aparece para clarear os pensamentos.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Minha Segunda Pessoa


O vento chacoalhava a copa das árvores e o olhar alaranjado do sol fixava o horizonte. Já havia começado. Pegou o espelho de dentro da sacola e se deparou consigo mesmo. Uma cena que durou anos em apenas três segundos. Como um objeto tão pequeno e frágil podia acusá-lo de ter mudado? Pensou em sua infância e lembrou da inocência que carregava na memória. Se alguém lhe desse uma faca, ele iria cortar todo aquele pensamento em vão.

Era a hora. O ponteiro corria para mais uma volta. A faca se moldava ao desejo do instrutor. Quero [...] profundas! Quero [...] simétricas! Quero [...] de leve e tortuosas. Eu quero e era o que importava naquele momento. 

Faca do dia: de serra. Motivo do dia: solidão compartilhada. Dia. Sem o sol, já estava noite. Mas o vento estufava o peito e subia ao palanque para gritar aos seus quatro irmãos que hoje era uma noite fria.

O estalar da carne atiçava os tímpanos feridos de tanta injúria. O sangue escorria aos poucos silenciosamente. O barulho era interno. Um sussurro. Não havia mais lágrimas como da primeira vez. Agora, o espelho denunciava um sorriso desconhecido. Ele não era mais o mesmo. Perdera o controle do seu autocontrole. 


sábado, 19 de novembro de 2011

Wie bist du denn?

Ainda parada, a observava. Ostentando-se do chão, era o centro das atenções. Toda de preto e prata. Delicada e poderosa como se pudesse derramar qualquer lágrima que desejasse. Não as suas, as dos outros. Ao lado, a menina estava parada com fones de ouvido e olhos inchados. Talvez seus pés também estivessem inchados. Afinal, a cerimônia tinha se alongado demais. O preto era ausência do branco. Pelo menos naquele dia era. Nenhum sorriso ou exaltação. Movimentos calmos e aleatórios. Um teatro de fantoches acorrentados. As emoções se escondiam. Tinham sido enterradas junto ao homem. O fone de ouvido sussurrava uma melodia que balançava os tímpanos da pobre pequena. Aquele não era lugar para uma criança. Aquele era lugar para mortos. E sua face pálida ainda tinha resquícios de vida. Uma veia poderosa esverdeava suas maças ríspidas e claras. Não eram sardas. Era terra mesmo. Ventilava com força por entre as árvores secas e molhadas. O cheiro era de um armazém de secos e molhados. Dois passos e olhou para trás. Não devia ter se arriscado dessa forma. Viu ela novamente. Agora maior, mais poderosa. Domadora. A dominada criatura vendeu-lhe duas gotas. Apenas duas. Logo a mão cortou o cair das mesmas ao chão de folhas marrons. E a música recomeçava. Os dedos balançavam no ar como se estivessem tocando a melodia. Eram dedos habilidosos. Era uma menina. Era a música. Era a lágrima.

Era ela. Domadora.

Louco


Porque o céu é azul? E as nuvens? Elas escondem algo do qual eu deva ter medo? Sinto que a cada pergunta estou falecendo mais rápido. Eu e minhas ideias. Não consigo mais escrever impessoalmente. A cada palavra, um corte. A cada corte, uma gota. A cada gota, um pouco menos de mim que se esvai junto com a vontade. Sinto-me confuso e perdido. Quem apagou a luz da minha vida? Não quero mais o sol. Quero a luminária artificial e simples. Quero um cubículo fechado e intransponível por quem quer que seja. Esse sou eu. Não tente me mudar.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Versus


Os antônimos são necessários! Você sabe o que é estar com frio, pois já se sentiu quente. Assim como sabe o que é azedo, pois já provou o doce. Se não soubéssemos da paz, não seríamos conta a guerra. Para tudo existe um parâmetro. E esse parâmetro é realmente essencial na nossa vida. Pense em um lugar escuro. O que falta nesse lugar? Luz? Exatamente! Se não conhecêssemos a luz, não teríamos como pensar na ausência dela. Os sentimentos também são assim, antônimos. Ser bom, pois conhece o ruim. Ser amado, pois nunca foi antes. Ser bobo, pois já foi sério em algum momento. Até a palavra antônimo têm seu antônimo. E ser feliz? Será mesmo que a felicidade e a infelicidade são antônimos? As pessoas felizes já foram tristes em algum momento da vida. E o mesmo acontece com os infelizes. Eles já foram felizes. Eu conheci a felicidade. Eu conheci o calor. Eu conheci a luz. Eu conheci a vida. Queria não ter conhecido.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sono & Ócio

Uma menina com sono deitou em sua cama e morreu.
Uma menina com sono deitou em sua cama.
Uma menina com sono deitou.
Uma menina com sono.
Uma menina.
Uma.
Minha menina, durma bem.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Menos dez

3'42'' 'Temos nosso próprio tempo'
Em dez segundo, uma vida acaba e outra começa. Em apenas dez mil milésimos de segundo muita coisa pode acontecer. Um amor renovado, um amor acabado, um amor abalado e um novo amor. O tempo é sim mutável. Cada um tem a visão que quer dele. Se estou com pressa, ele foge como um passarinho da gaiola entre-aberta. Logo, se estou cansado e quero terminar tudo de uma vez, o tempo se torna amigável, e senta ao meu lado para conversar. E o pior é que ele não mede palavras. Enquanto você lê esse texto que eu demorei mais que 10 segundos para escrever, tem um asiático morrendo. E não é porque você respira! Fique calmo. É porque o tempo é apenas o guia da nossa jornada. Infelizmente, ele tem um pacto com a morte, e com a vida também. Tudo minimamente calculado. Cada segundo, cada piscar de olhos, tudo para irmos chegando perto do fim. Você pode me dizer: "Mas que pessimismo o seu!" Pode até ser verdade. O que me leva a crer que toda essa discussão está me consumindo. Meu corpo e minha mente envelhecem, fico esbranquiçado a cada dia. O tempo pelo menos nos ensina uma coisa. Ele nos conta, nos momentos de dificuldade, que estamos aqui porque queremos. A décima maior causa de mortes está ai para nos consolar. E existem as outras nove para nos salvar. 

Agora pare um pouco e conte até dez. Algo mudou na sua vida? Você pode dizer que não, mas mudou. Muita coisa muda. E esses dez segundos não voltam. Já foram gastos e você os escolheu como gastá-los. A escolha é sua. Não volte no tempo, apenas gaste-o consigo, contigo, comigo, com amigos, com ele mesmo.

Agora pare um pouco e conte até dez. Você novamente contou? Espero que não tudo.

10 pétalas

Ela tinha uma rosa com dez pétalas em sua mão. Todas lindas e avermelhadas. O cabo não tinha espinhos, mas a mão da menina tinha uma cicatriz. Ela guardou a flor em seu peito como se protegesse a um filho. A franja do cabelo escondia um sorriso estampado em seu rosto lindo, que mostrava um brilho em seus olhos verdes. A flor era frágil, assim como o coração da menina. Os dois estavam pulsando. Bailavam juntos como se a rosa pudesse ser quem o coração queria que fosse. Naquela hora ela era ele. Beijou-o e sentiu-lhe o perfume. Uma pétala se desprendeu do botão e caiu ao chão. Era o beijo. Foi dormir um pouco triste, mas ainda com os olhos brilhando.

No outro dia encontrou mais duas pétalas ao chão. Pegou-as e guardou em um potinho, assim como tinha feito com a outra. Eram os olhos e o sorriso. Trocou-se e foi tomar café. Fez suas atividades diárias ouvindo algumas músicas que lhe faziam entoar junto com a melodia. Mais uma pétala caiu. Era a voz. Guardou mais uma e decidiu escrever um pouco. Tinha o dom com as palavras quando estava feliz. Um vento bateu e mais três pétalas se foram. Eram as mãos, os braços e o abraço.

Já de noite estava deitada lendo o livro quando seu irmão chegou um pouco triste. Ela usou palavras confortáveis e aconchegou-o. Enquanto isso, mais duas pétalas caíram. Eram os elogios e a amizade. De repente a campainha tocou. Era ele. Ela saiu correndo e o abraçou. Mais uma pétala havia caído. Era a saudade. Apenas uma sobreviveu. Ele pegou a rosa com apenas uma pétala e a arrancou. Ele a disse que era o amor. E que esse estava guardado em seu peito.