quinta-feira, 21 de julho de 2011

Criopatia infinita

A chaleira já estava apitando. O chá estava pronto e Bagli correu para desligar o fogo. Morava em uma oficina pequena e suja. Estava bem agasalhado, pois a madrugada estava fria. A neblina era a única coisa que se podia ver ao olhar para fora através do pequeno vitrô atrás das tábuas de madeira. Acordava cedo todos os dias para adiantar seu trabalho. Fazia caixas para os outros. Era ótimo no que fazia e tirava seu sustendo disso. As fazia com pedaços de madeira que comprava do lixão. Ganhou a lixadeira de seu pai. Ele trabalhava com isso também. Deixou de presente para Bagli antes de ir embora e levar uma caixa de presente feita pelo filho.                

As pessoas que compravam as caixas sempre vinham por obrigação. Ninguém gostava de ir até a oficina para encomendar uma. Tinham vários tamanhos e tipos. Eram bem caprichadas e, apesar do desprezo dos compradores pelo trabalho, acabavam levando. Muitas pessoas iam encomendar as caixas. E depois nunca mais apareciam. Não tinha contato com ninguém fora do trabalho. Sua vida sempre foi assim. As pessoas chegavam, passavam por ele e não voltavam mais. Nunca tinha namorado alguém. Não era feio, apenas desarrumado. Tomava banho em um chuveiro improvisado nos fundos da oficina. Sua cama era apenas um colchão. Não tinha tempo para fazer uma cama para ele. Eram muitas caixas.             

Pegou um cachecol e foi ao trabalho. Hoje aquela caixa era especial. Faria uma para ele. Nunca tinha feito uma para si mesmo. Achou que não precisava, mas estava errado. Sua oficina e sua vida estavam bagunçadas. Precisava organizar tudo antes de continuar a fazer as caixas. Aquela tinha um tamanho especial. Sob medida. Ele colocaria ao lado da caixa de sua mãe. Ele não havia conhecido ela. Apenas tinha uma foto velha e amassada. Pensava que a vida dela deveria ter sido muito difícil, por isso, não reclamava de suas condições.

Alcançou alguns pregos na maleta de ferramentas e começou a prender as tábuas pelas pontas. Não era um trabalho difícil, apenas cansativo. Seus dedos possuíam calos que marcavam a sua idade trabalhando. Não sabia quantos anos tinha, ou há quanto tempo fazia tudo aquilo. Só sabia que tinha que fazer uma para si mesmo antes que ninguém mais o procurasse e fosse até a marcenaria nova da cidade. Agora ela vivia lotada e pela primeira vez ele tinha com quem competir. O dono se chama Frederico e era de uma família rica e poderosa. Tinham muitos contatos e atendiam os clientes com muita perfeição. Os clientes também não voltavam, mas isso era porque cada pessoa necessitava apenas de uma caixa e nada mais. Bagli terminou a sua, colocou-a no chão, pegou um recado que tinha rabiscado com dificuldade, pois fazia anos que não lia e escrevia. Grudou o papel na tampa da caixa, tomou o chá com um gole e deitou naquela caixa grande. Pegou a tampa. Fechou. Dormiu. 

4 comentários:

  1. Sério... fiquei encantado.
    Deu vontade de ter uma caixa pra eu organizar minha vida ;/

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  2. Se eu fizer uma caixa minha vida inteirinha fica organizada?

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  3. Nossa eu nao quero ter uma caixa desta tãoooo cedo hehehe. Foi dificil cair a ficha sobre o texto, mas agora está tudo claro.
    Eric, ja te disse hj, texto mais que bom. PErfeito mesmo! Parabens!!!!!!!!

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  4. Só pra finalizar a explicação do texto
    Bagli significa sozinho, solitário em Tupi ;]
    q bom q gostaram!

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Diga, eu anoto! ;D