sexta-feira, 8 de julho de 2011

No fundo do rio

A história começa num dos rios mais famosos de Londres e o enredo dessa história também é muito famoso. O ciúme. Ciúme, sentimento capaz de destruir e construir todos os outros sentimentos. O ciúme reflete na vida das pessoas assim como a lua estava refletindo no rio e cegando os olhos cheios de lágrima do pobre Carlos. A cena parecia normal. Era noite, uma neblina quebrava o silêncio, um homem sentado no cais a observar os remadores que passavam pelo rio levando mercadorias para a cidade. Até que um grito rasga o silêncio mortal daquela cena. Para vocês leitores entenderem do que estou falando tenho que voltar um dia antes desse tal acontecimento. 
Era uma segunda-feira de calor. Todos estavam com os ombros de fora andando pelas ruas da cidade. A vida seguia seu rumo, padeiros entregavam pães, leiteiros o leite, jornaleiros os jornais e entregadores entregavam o que tinha que ser entregue. Carlos morava numa rua muito estreita e íngreme. Era casado com uma linda mulher chamada Esmeralda. Os dois viviam em plena harmonia, sempre de bom humor e nunca zangados. Carlos trabalhava numa indústria de calçados as margens do rio e sempre trazia sapatos lindíssimos à esposa. Carlos estava saindo aquele dia para trabalhar quando encontrou um entregador da vila que estava lá para trazer um pacote para Esmeralda. Ele deu bom dia e saiu. O homem tinha nas mãos um pacote pequeno com um embrulho velho e encardido. Ao tocar a campainha, Esmeralda logo atendeu a porta e pegou o embrulho. Ela era muito curiosa e não se aguentava de vontade de abrir logo a embalagem. Ao entrar em casa, foi logo para a cozinha pegar uma tesoura para descobrir o que era aquela entrega inesperada. 
Ao rasgar a embalagem Esmeralda ficou pálida na mesma hora. As palavras fugiram de sua boca e seu olhar desmoronou em pânico diante daquele embrulho. Ela levantou os olhos com um ar de que estava recordando algo do qual não queria lembrar. Sem saber o que fazer Esmeralda saiu correndo pelas ruas de Londres até chegar ao porto do rio Tamisa, e sem pensar, jogou com toda a sua força o embrulho no rio, que o levou com uma rapidez inigualável. Carlos estava na hora do almoço e viu toda aquela cena. Sem entender foi perguntar a sua mulher o que estava acontecendo. Pálida como a neve e sólida como a rocha, Esmeralda virou seu rosto em direção a Carlos, que sem entender nada repetiu a pergunta. Como se estivesse sufocada Esmeralda deu um grito e agonizante que se pode ouvir do topo do Big Ben. Os colegas de trabalho de Carlos, sem entender a cena, pensaram que Carlos estava agredindo sua mulher. Todos correram para socorrer Esmeralda, mas assustada como estava apenas correu mais rápido que os trabalhadores em direção as margens do rio. Ao chegar ao precipício que separava a fábrica e o rio, Esmeralda apenas disse com sua voz rouca e humilhada: - Ainda te amo. Ao fim daquela frase, ela se jogou no rio e em poucos segundos não estava mais lá e sim nas profundezas junto com seu embrulho. 
Carlos ficou pasmo, teve um ataque de raiva e sentiu-se culpado pelo ocorrido. Por um instante, ele também quis se jogar no rio para ir atrás de sua mulher. A única coisa que ele conseguiu foi o consolo de seus colegas e uma folga até o final do dia. Voltando para casa, Carlos começou a pensar na razão de toda aquela tragédia. Pensou no prejuízo que aquele dia tinha lhe dado e apenas sabia que a culpa era toda dele. Começou a pensar também que se ele não tivesse corrido atrás dela, ela estaria viva. Pensou também que se ele não tivesse almoçado, Esmeralda faria o jantar que seria muito mais saboroso do que aquele almoço que ele havia engolido como se estivesse comendo a sola dos sapatos que produzia. Tentou dormir, mas o sono não vinha. Tentou gritar, mas a voz soluçava em prantos. Tentou se matar, mas coragem faltou. Com a cabeça a milhão, Carlos saiu em disparada ao rio como uma Maria-fumaça vai de uma estação a outra. Já era noite e a cena que ele encontrou foi a mesma do começo da história. Um remador ao longe estava remando seu barquinho e com certeza pensando em sua mulher que lhe aguardava em casa. A lua refletia na água e parecia mais um chamado para Carlos mergulhar nas profundezas daquele maldito rio. Depois de tanto pensar e repensar, Carlos levantou do banco onde estava sentado, se apoiou na beira do cais como se fosse jogar e gritou. Gritou como nunca havia gritado antes. Com o último suspiro que restou, Carlos disse: - Também ainda te amo - e se jogou nas profundezas do rio Tamisa. 
Dez anos depois, alguns pescadores estavam tirando seu sustento das águas quando encontraram um embrulho. O embrulho estava muito sujo e parecia estar se decompondo. Os pescadores ficaram curiosos e pegaram a embalagem no meio dos peixes para abri-la. Um dos homens pegou um canivete e abriu a embalagem com cuidado, pois o papel já estava grudado feito cola. Ao abrir, o marinheiro encontrou apenas areia e lama. E o que estava dentro daquele pacote havia sumido. Assim como o sol some todas as noites e a lua aparece para chamar os apaixonados para um passeio sem volta.

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