quinta-feira, 28 de julho de 2011

Curtains Drawn

O tiro atravessou a cabeça e ele caiu. Estava frio demais para consertar tudo. Eles namoravam há cinco anos e nunca haviam brigado. Conheceram-se na fila da padaria e foi aquele bendito olhar 43. Ela era magra, ele era bravo. Ela era engraçada, ele era alto. Moravam juntos num flat em São Paulo. A vista que eles tinham não era a das melhores. A janela da sala ficava voltada para um prédio comercial. Trabalhavam juntos no hospital, estudaram juntos na faculdade. Até moraram na mesma rua sem que nunca tivessem se falado quando criança. 

Ela era médica infectologista. Ele era pediatra. Os turnos dos plantões nunca se encaixavam e fazia meses que não saiam juntos para jantar. As refeições, quando não eram feitas na lanchonete do hospital, eram macarrões instantâneos sem tempero. Assim como as compras do supermercado, as contas de casa eram divididas pela metade. Cada um comprava o que comia. Cada um pagava o que consumia. Cada um viva o que queria.

No começo do namoro tudo era uma maravilha. Flores e chocolates todo dia. Depois o trabalho foi consumindo o tempo dos dois. Nunca haviam brigado porque não tinham tempo. A vida era corrida e tudo vivia sendo atropelado pela pressa dos dois. Como disse o Chris Martin, ‘ninguém disse que seria fácil’. Mas os dois combinavam bastante. Para os espectadores da relação, tudo estava às mil maravilhas. Os cabelos ruivos dela combinavam com os dedos dele. O sorriso emburrado dele combinava com as orelhas pequenas dela. A calça dela combinava com o brinco dele. Apenas aparências.

Aparências são como um tiro que atravessa nossa cabeça e quando elas se vão, nós caímos na realidade. Caímos e nos machucamos. Uma dor que vem de dentro. Aquela dor que bate ardendo. A culpa não é de ninguém, apenas sua. Ela jogou a arma no chão e saiu correndo. Saiu chorando. Saiu mancando. A cortina caiu.


3 comentários:

  1. Adorei!
    Desculpem os que não concordam, mas até agora é o meu favorito :)
    Parabééns!

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  2. Tinha "ignorado" esse texto, por já ter ouvido o resumo na casa da Ariane há uns sábados atrás... resolvi ler hoje e, puxa, curti muito Eric!! Eu usei esse mesmo trecho de música do Coldplay no "Now Playing" ;D

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Diga, eu anoto! ;D