quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Olhares da vida

Não posso dizer que tive uma vida infeliz. Desde que nasci sempre tive pessoas amáveis ao meu redor. Na verdade a minha vida daria uma história, Será? Bom eu vou tentar contar a vocês a minha vida.

Meu nome é Frederico, mas todos me chamam de Rico, nasci e cresci na maravilhosa cidade de Santo André. Lembro-me de quando era pequeno, eu brincava com meus irmãos na rua Carijós, onde nós morávamos.
Eu tinha dois irmãos, o Paulo, mais conhecido como Paulinho Tomada, pois ele não parava um minuto. Sempre querendo brincar de pique-esconde, mãe-da-rua, jogar futebol e pular corda. Ele era mais velho do que eu, um ano e meio de diferença e ele sempre me levava para ir ao Cinema Tamoio, perto de casa. As sessões eram separadas entre meninos e meninas. Eu e Paulinho éramos arteiros para chuchu e sempre tentávamos ir para a sessão das meninas, mas o lanterninha, o Seu Bernardo, sempre nos impedia.
Minha outra irmã se chamava Brenda, era a caçula e também a mais birrenta. Costumava encrencar eu e Paulinho inventando mentiras e fazendo muita, mas muita birra. Uma vez Brenda perdeu a sua boneca, a Florinha, e botou a culpa em nós. Sei que vocês devem estar pensando como eu me lembro do nome da bendita boneca, mas é que Florinha era um membro da família. Pelo menos para minha irmã. Aonde ela ia, a Florinha ia também. Confesso que escondi a boneca algumas vezes, mas foi só de brincadeira e só para atiçá-la.
Domingo era o dia da família, íamos todos ao clube aramaçan, pertinho da minha antiga casa. Gostávamos muito de jogar bola com a turma aos domingos, mas como era dia de missa também, mamãe não nos deixava brincar muito. Mesmo assim nós sempre conseguíamos dar uma escapada e arranjar um jeito de jogar.
Mamãe era a mulher mais elegante que eu já conheci. Era alta, magra, cintura fina, cabelos loiros e encaracolados, parecia uma dama da alta sociedade. Ao contrário de mamãe, papai nunca esteve presente na minha vida. Quando mamãe estava grávida de mim, ele nos largou e nunca mais voltou. Brenda não era filha dele. Ela era filha de um homem muito fino, Dr. Humberto Castro Dias. Ele era médico e quase sempre estava fora de casa trabalhando no hospital mais famoso daquela época, o Hospital Beneficência Portuguesa. Era um pouco longe de casa para quem não tinha carro, como era o caso da minha família.
Antigamente quase todas as ruas eram de paralelepípedos e não havia muitos carros por aí, somente a elite tinha carro. Muitas coisas mudaram de antigamente para hoje como o modo de escrever que antigamente era de um jeito e hoje já é de outro. Os namoros também eram muito diferentes dos de hoje. Se você quisesse encontrar uma namorada, era só ir à rua do cinema Carlos Gomes. Era lá que acontecia o famoso vai-e-vem de antigamente. Os meninos ficavam na calçada conversando e olhando para as moças que ficavam passando na frente deles. Quase todos daquela época arranjavam namorado dessa maneira.
Quando fiz dezoito anos foi aquela alegria. Mamãe preparou alguns salgados, e a tia Eugênia fez o bolo de glacê. Sinto o gosto daquele bolo em minha boca até hoje. Eu adorava festas em casa, amigos, comidas gostosas, presentes, uma bela música que saía da vitrola do Dr. Humberto; era uma tremenda farra. A festa acabou às oito horas da noite, muito tarde para aquela época, mas mesmo com tanta alegria uma tragédia desfez aquele sentimento de felicidade.
Quando acordei no outro dia, mamãe estava brigando com o Dr. Humberto. Não me lembro ao certo porque, mas parecia ser grave. Ao final da discussão Dr. Humberto disse com o peito estufado “Vou-me embora e não voltarei nunca mais”. Mamãe ficou aos prantos chorando de tristeza. Depois daquela dia, mamãe nunca mais foi a mesma, sempre fechada, vestida de preto, dava angústia ver mamãe naquele estado. Brenda também não parava de chorar e como eu era o homem da casa agora, eu tinha que consolar as duas, pois Paulinho fora morar com Gertrudes, sua noiva e futura esposa.
Minha festa de 18 anos foi muito especial, mas o dia mais especial da minha vida foi quando eu conheci Adelaide. Ela era nova no bairro, portanto nenhum rapaz tinha cantado ela ainda, então resolvi tentar. Tomei um belo banho, passei um perfume que o Paulinho tinha esquecido em casa, e fui para o vai-e-vem. Naquele dia a lua parecia especial para os casais. Quando eu cheguei lá já fui procurando a Adelaide para logo convidá-la a ir ao cinema Carlos Gomes, o cinema mais bonito de todos de antigamente. Ao avistar a donzela, cumprimentei-a, e já fui dizendo em disparada “Quer ir ao cinema comigo?”. Quando ela disse sim eu quase cai pra trás de tanta emoção. Aquela noite foi perfeita, vimos o filme, nos conhecemos melhor, trocamos telefone e nos aproximamos bastante. Com o tempo começamos a namorar. Tive que ir pedir ao pai dela a permissão. Fiquei apavorado, mas deu tudo certo.
Aos 25 anos eu e Adelaide nos casamos com uma cerimônia simples na igreja da Matriz. Tivemos dois filhos, Carlos Gomes, em homenagem ao nosso primeiro encontro, e Zulaide, nome da minha avó. Trabalhei durante anos na fábrica de tecelagem do Ipiranguinha. Trabalhei também na Conac, na Covaric e na Firestone. Com o dinheiro que ganhei comprei uma linda casa em frente a um campinho de futebol. Meus filhos cresceram se casaram, trabalharam e tiveram filhos, meus netos. Com a minha vida feita estava muito feliz só esperando ao lado do meu amor a hora de partir, mas a vida foi cruel comigo e a levou primeiro por conta de um câncer no pâncreas. Sem ter mais o que fazer da vida, muito triste e amargurado, se sentindo abandonado, não queria mais saber de nada.
Cinco anos se passaram e eu continuava assim, mas pude perceber que a melhor fase da vida é ser idoso, pois você olha para trás e vê um caminho que foi trilhado. Quando se é velho não se pode pensar no futuro, tem que relembrar do passado e continuar vivendo no presente, afinal quanto mais idade se tem, mais sabedoria se adquire. Eu levantei a cabeça e fui viver a minha vida. Comecei a fazer exercícios, jogar xadrez com os meus amigos, comecei a frequentar o parque ipiranguinha em frente a minha casa, onde era o campo de futebol, e comecei a ser feliz novamente. Hoje estou aqui sentado neste banco do parque relembrando o meu glorioso passado e olhando a minha juventude ser consumida pela vida.

2 comentários:

  1. Cara, parabéns pelo texto.
    Embora esteja longo, foi super "gostoso" (como dizem os menos refinados) acompanhar a trajetória do Seu Rico.
    O curioso é que ontem, casualmente, trombei com o meu vizinho, um senhor de 64 anos, e começamos a conversar um pouco.
    Ele me contou a sua trajetória bem ao "estilo seu Rico", mas dando maior ênfase para a caminhada profissional.
    Ao final da conversa, ele lançou uma frase semelhante à utilizada no texto sobre "não viver de olho no futuro, apenas no passado e vivendo o presente"...
    Deveras curioso...

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  2. Me imaginei vivendo a vida dos tempos do Seu Rico e cheguei a conclusão que seria realmente mágico, não? :)

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