terça-feira, 23 de agosto de 2011

Duas Moedas


         Era uma bela tarde ensolarada. A estrela central estava à pino e criava sombras aos pés das mentes humanas. A rua estava movimentada e os prédios abraçavam toda aquela constelação de criaturas. Os azulejos quebrados daquele velho restaurante de esquina a observavam. O garçom vestia um belo sapato preto engraxado pelo menino do outro lado da rua. Pagou com duas moedas de plúmbeo. Aquelas mesmas moedas haviam saído da bolsinha rosa dela que pagara o café expresso ao garçom.
            O mesmo menino continuava a engraxar os sapatos alheios. Mas estava difícil se sustentar com aquilo. Ele parou um segundo e contou os trocados que ganhara naqueles dias. Era o que ele precisava. Pediu para um outro menino tomar conta do caixote e saiu correndo com as duas e mais moedas na mão. Só parou de correr cinco quadras acima do restaurante. Era uma rua sem saída. Encontrou um velho de aproximadamente 35 anos. Velho na aparência. Tinha as mãos ásperas. Essas mesmas mãos pegaram as moedas contadas do menino e entregaram à ele uma pedra.
            O homem de aparência, às vezes até mórbida, pegou as duas e mais moedas e foi andando lentamente até uma farmácia. Entrou com toda a calma e com cautela procurou em cada prateleira uma caixa. Ela tinha uma faixa preta, pensou ele. Aonde será que está? Não me lembro do nome. Encontrei! Estendeu a mão com unhas pretas e trouxe ao peito o tesouro. Foi ao caixa e pagou com as duas e mais moedas. A atendente loira e triste entregou o remédio dentro de uma sacolinha de plástico vagabunda.
            O expediente da loira havia acabado e ela teria que correr para encontrar as primas no metrô. Pegou as duas moedas e uns trocados, se despediu do chefe de sobrancelhas grossas e foi correndo até a estação.
            No caminho tropeçou em uma guria que estava sentada na calçada. As moedas rolaram e só pararam dentro do bueiro ao lado da guria. A loira deu um grito histérico e continuou a correr até a estação. A guria se levantou, olhou aquelas moedas ao fundo. Duas em especial brilhavam. A água dos chuviscos que caíam arrastaram todas as moedas para longe. Foram embora.
            Ela ainda estava no café. Tinha a sua bolsinha rosa presa nas mãos com dedos finos. Tinha uma aliança no dedo indicador. Dentro dela estava escrito seu nome, Vida, e de seu marido, Morte. A data era 00/00/00. As moedas eram presentes da Vida. A sorte e a felicidade passaram pelas mãos dos que mais necessitavam, mas eles estavam preocupados com o futuro e não com o presente. Logo encontrariam o marido dela.

"Pegue o presente, mesmo que não seja de sua vontade."

Um comentário:

  1. Nossa, nossa, nossa brisei com esse texto. Muito bom mesmo. Sempre tenho que ler pelo menos 3x os seus posts pra conseguir entender direitinho.
    De onde tira essas ideias? Simplesmente perfeito. Parabens

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