domingo, 7 de agosto de 2011

Confortavelmente entorpecido

Sentado na guia, o menino olhava para o horizonte pelo canto do olho. Seu olhar estava avermelhado e ele parecia à espera de alguém. Tinha os cabelos negros, parecidos com a cor da parede onde estava encostado. Era de uma fábrica abandonada. A rua era, na verdade, uma viela e naquela hora não tinha ninguém por lá. Ao fundo, o trem passava soltando uma fumaça branca. Aquilo o lembrou de suas brincadeiras de adolescência. Seu amigo lhe ensinara o jogo. Não era tão difícil. Lembrou também que aquele mesmo amigo tinha ido embora e não brincava mais com ele. Agora ele tinha que fazer tudo sozinho e aquilo era um fardo muito pesado para ele, mesmo tendo ombros largos.


Morava bem longe de onde estava agora. Sua caminhada ajudava na ansiedade. Ele se sentia melhor andando até lá. Na verdade correndo. Não era das pessoas mais pacientes que se pode conhecer. Mas seus sentimentos também eram muitos esquisitos. Um menino como muitos outros que existia por ali. Todos eram iguais. Não só psicologicamente, mas fisicamente também. Eram todos magros, com braços marcados, olhos baixos e cabeças vazias. Os pensamentos eram todos voltados àquilo.


Ele se levantou e começou a andar de um lado para o outro. Queria gritar, estava obstinado e não sairia dali sem pegar o que tinha que ser pego. Era um menino levado. Sempre comprava balinhas e não pagava. Roubava o dinheiro da carteira de sua mãe para consumir o que tinha de melhor da vida. A mãe fingia que não via e dava aquele sorriso de protetora. Ela sempre o fazia quando o menino saia para brincar. Era muito preocupada com a diversão dele, mas tinha também um pouco de medo das consequências de censurá-lo. Tinham uma boa condição de vida e aquele dinheirinho da carteira não faria falta. Viviam da herança que o avô do menino deixou. Ficaram com o mesmo dinheiro e vício, afinal seu avô também adorava brincar.


Uma pessoa veio andando pela rua. Era a tão aguardada encomenda. Com um moletom preto e um capuz cobrindo o rosto, o homem chegou. Sem pronunciar nada entregou um pacote ao menino. Dessa vez não eram as balinhas e nem o cheiro do velho mato que ele rolava quando criança. Era um frasquinho com um líquido transparente e forte. Ele entregou algumas notas amassadas ao homem, que se virou e foi embora de onde veio. O trem, o amigo, o avô e alguns meninos também já tinham ido embora. Logo ele também iria. Estava comprando a passagem aos poucos. Afinal, ele não era mais uma criança e aquilo não era mais uma droga de brincadeira.






The child is grown. 
The dream is gone. 
And IIIIII... have become comfortably numb.” 

Um comentário:

Diga, eu anoto! ;D